AMOR, CUIDADO & LIBERDADE! (Para mamãe Gabriela e família)






AMOR, CUIDADO & LIBERDADE¹

“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém.”
(FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, p.105. 48ª ed – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014)



         Gabriela é Psicóloga, estudante de yoga no instituto MAPADEVA², de psicomotricidade e também dedicada mamãe do Miguel, que se encontra com aproximadamente 1 ano e dois meses. Certa vez ela contou que estava pensando numa creche para o seu pequeno. Eu então a apoiei, buscando compartilhar um pouco acerca da educação infantil, seus objetivos e benefícios para as crianças. E o tempo passou...

Da última vez que a encontrei perguntei sobre o desenvolvimento do “Miguelito” e a iniciativa de colocá-lo numa creche, ao passo que ela me respondeu suspirando: “Ai..., visitei alguns espaços, pensei... Mas deixa esse coração de mãe aqui se acalmar primeiro...”. Eu apenas sorri e concordei com a cabeça, em gesto generoso de respeito. Mas isto me levou a pensar...

         Com efeito, fiquei dividido entre o Pedagogo/Psicopedagogo institucional/educador de infâncias e o colega de curso que estava ali apenas para escutar, compreender e acolher. Enquanto o Pedagogo queria discursar exaltadamente sobre a conquista que a educação infantil representa do ponto de vista democrático e humanizatório em nosso país, haja vista a importância desta etapa para o bom desenvolvimento das crianças, o colega de curso, no entanto, por intuição e empatia, entendia que aquela era a hora de apenas silenciar, acolher e respeitar o momento afetivo daquela mamãe.

Gabriela, além de aspirante a professora de yoga é uma mulher esclarecida e afetuosa, desfrutando de condições de vida favoráveis e de uma família saudável, o que garante ao seu filho um conjunto de estímulos, experiências e possibilidades formativas para um bom desenvolvimento. Isto me parece bastar, por ora, deixando essa mamãe saborear um pouco mais do chamego com seu filhote, desses primeiros e estruturantes momentos da vida humana.

O “problema” da Gabriela não é falta de informação nem de formação, ela é psicóloga e yoguin, a questão é que sobretudo, ela é humana e mãe, e só as mães sabem o que é isso, a “loucura” de testemunhar o milagre do surgimento de um ser dentro de si e depois o desafio de tê-lo que dividir com o mundo... Ora, como ter distanciamento terapêutico em relação ao próprio filho?... Isto não seria profissionalismo, mas patologia! Nossa mamãe em questão é psicóloga sim, e ao que parece, das boas, mas em relação ao filho é apenas mãe... Simplesmente mãe... Maravilhosamente mãe... Que como qualquer outra precisa de apoio e tempo para realizar essa tarefa de “libertação” do “objeto” amado. E é claro que a sua formação irá favorecê-la nisso.

Em breve então chegará o momento da instituição formal de educação infantil entrar na vida do Miguel e também da mamãe Gabriela. Se bem conduzida, tal passagem irá desvelar para o pequenino um mundo novo, cheio de possibilidades, desafios, encontros e desencontros que serão essenciais na sua formação como sujeito e cidadão. “Miguelito” continuará amando sua mamãe, mas suas possibilidades afetivas se ampliarão, contribuindo assim para a sua autonomia integral; Gabriela, por sua vez, continuará amando o seu pequeno, mas poderá agora dividir em regime de parceria a formação dele com outra instituição e seus profissionais; isso a ajudará a se redescobrir como mulher para si e para o seu marido, como profissional, como filha, amiga, cidadã, etc. (Não que ela não possa vivenciar todas essas dimensões do seu ser ao lado do seu filho, e que a condição de mãe seja uma negação ou impeditivo... Assinalamos aqui apenas as dificuldades impostas a mulher/mãe no mundo contemporâneo e os benefícios das instiuições formais de Educação infantil) Contudo, continuará sendo mãe, desenvolvendo também a sua autonomia emocional em relação ao Miguel.

         Em realidade, todos se beneficiam: família, escola, sociedade, Estado brasileiro. Educação infantil não é abandono ou indiferença materna ou familiar, mas um gesto de amor; pois quem ama, cuida, educa e também liberta. Educação infantil é coisa séria, mas sempre movida pelo brincar, é a primeira etapa da formação humana em nosso sistema educacional. A meu ver, nenhuma família, por mais afetuosa, esclarecida e disponível que seja pode oferecer a uma criança o que o espaço-tempo institucional da creche/educandário com seus profissionais oferece; da mesma forma, a melhor das instituições de educação infantil jamais poderá fazer por uma criança o que a família pode e deve fazer. A relação, pois, deve ser sempre de parceria e nunca de substituição, lembrando que a educação é uma tarefa que compete às famílias, ao Estado brasileiro e a sociedade como um todo.

         Com efeito, ao afirmar que a autonomia é uma construção do sujeito, Paulo Freire não negou o papel que educadores e educadoras, famílias, sociedade e Estado têm no sentido de favorecer tal processo ou dificultá-lo. E numa perspectiva democrática de educação e sociedade sempre devemos oferecer os melhores estímulos, referências, parâmetros e experiências como subsídios para a formação crítica e criativa, autônoma para as nossas crianças, jovens e adultos. Com tal assertiva, Freire reafirmou simplesmente e brilhantemente o lugar de “protagonista” que o sujeito tem na construção da sua autonomia.

Por fim, nunca é demais lembrar que creche não é somente para a mãe que trabalha fora ou para as classes menos favorecidas; a creche é para a criança em si, entendida como um sujeito de direitos. Toda criança tem direito a educação infantil formal! Mas tudo tem o seu tempo e devemos apenas buscar harmonizar os tempos das famílias e das crianças com o das leis (isto já é uma realidade do ponto de vista legal, o que falta mais, a meu ver, é o esclarecimento geral da população). Como Educador, situo-me entre aqueles e aquelas que defendem a escola como instituição formativa obrigatória e insubstituível.

Enfim, enquanto isso, no entanto, a amorosa mamãe Gabriela vai “acalmando o seu coração” e se preparando para o grande momento... E o “Miguelito” vai se estruturando e preparando o seu voo... Já posso vê-lo com a sua lancheirinha, acenando sorridente para sua mamãe, indo correndo para juntar-se aos seus colegas, com os olhos brilhantes e curiosos, sedento por novas experiências, sabores e saberes. Tenho certeza que eles irão conseguir. E podem contar comigo se precisarem. Boa sorte!!!


  ¹Por Rodrigo Quaresma. Artigo protegido por direitos autorais. Se desejar citá-lo, favor mencionar o autor e o endereço     1educativas.blogspot.com

  ²Instituto de Yoga e meditação sob a direção do professor Carlos Henrique Viard.

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